Do futuro para o futuro

rodrigo malafaia
8 min readJan 12, 2022

Os desafios da juventude brasileira na luta ambiental

Rodrigo Malafaia,

Diretor Nacional da ISEC Brasil.

Greve Global Pelo Clima, Praça Roosevelt, 2019. Autor: Rodrigo Malafaia.

Introdução

“O Brasil tem um enorme passado pela frente.” — Millôr Fernandes, humorista.

Eu gostaria de iniciar este artigo parabenizando o discurso do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) na Cúpula do Clima realizada pelo presidente estadunidense Joe Biden em abril deste ano. Um discurso em que Bolsonaro teve a oportunidade, mais uma vez, de dizer a verdade e o fez: disse que não se importa com o meio ambiente.

O discurso provou a inaptidão do presidente brasileiro para os desafios do presente, de enfrentar um aquecimento global desproporcional capaz de reduzir em 12% a economia brasileira, transformar o agronegócio em um gerenciador de desertos e carregar milhões de brasileiras e brasileiros para a fome e a miséria simplesmente pela falta de vontade política.

Considerando que Bolsonaro nunca esteve muito entusiasmado com a Conferência Oficial das Partes da ONU de número 26 (COP 26), visando enviar o Ministro do Fogo, Desmatamento e Garimpo Ricardo Salles para chorar pelo pagamento dos avanços nos combates ao desmatamento realizados “nos últimos 15 anos” (leia-se, nos governos que o precederam), e re-prometeu as metas do Acordo de Paris, assinadas pelo Brasil em 2015, que revogou assim que tomou posse em 2019, foi um milagre ele ter dito a verdade: que não liga para o futuro.

Apesar disso, o futuro liga para si mesmo. Ou seja, a juventude carrega essa chama acesa nos anos 1980 por figuras como Francisco Mendes, Dorothy Stang e Maria Osmarina Silva, entre tantas e tantos que os precederam e os sucederam. Três ativistas no Brasil dos quais dois foram assassinados, como são muitos no 4º país que mais mata ativistas ambientais no mundo, segundo relatório da ONG Global Witness publicado em 2020.

O presidente Bolsonaro, em seu discurso, não foi apenas sinceramente infeliz, foi infeliz ao estar em acordo com a maioria dos líderes mundiais que pouco ou nada fazem para evitar a emergência climática (termo cunhado valentemente pelo jornal britânico Guardian para parar de disfarçar o que vivemos: a crise do século). Bolsonaro foi infeliz ao dizer exatamente o “blá blá blá” denunciado pela pirralha que mais fez pelo meio ambiente entre 2019 e 2021 do que muitos presidentes, Greta Thunberg.

A juventude pela juventude

“Tudo, tudo, tudo, tudo o que nós tem é nós” — Emicida, poeta.

E, como essa pirralha, surgem centenas de outras e outros pirralhos preocupados com uma coisa hoje em dia terrivelmente utópica, o direito de seguir vivo em um planeta destruído. Centenas de pirralhos que foram às ruas na Primeira Greve Global pelo Clima em 2019, protestaram de casa em 2020 e retornaram às ruas em 2021. Centenas de pirralhas e pirralhos que estão indo à COP 26 não em busca de pagamentos, mas em busca de soluções.

Pirralhas e pirralhos são esse futuro teimando em não ser destruído e organizações como a Coalizão Internacional de Estudantes pelo Meio Ambiente (ISEC) nasceram nesse contexto. Lutando por um futuro justo e um desenvolvimento real para a maioria da população mundial.

É nessa história que queremos florescer, na história de uma ampla coalizão global de jovens pelo nosso futuro comum.

A ISEC foi fundada no ano de 2015 na Europa, unindo movimentos de países europeus e dos Estados Unidos pela crença comum de cooperar com as juventudes globais pela justiça climática.

Claro que, partindo do princípio de que justiça climática necessita alcançar o máximo de jovens, o primeiro passo da Coalizão foi alcançar o Sul Global e compor seus quadros de lideranças em países africanos, asiáticos e latino-americanos.

Hoje, a ISEC está presente em mais de 30 países, contando com o Brasil, onde chegamos oficialmente em setembro de 2021 e ainda estamos nos estabelecendo, sendo sua maioria na África (14 países em 2020) e Europa (10 até 2020).

Com a crença de que os desafios climáticos são estruturais (100 empresas são responsáveis por 71% das emissões de gases fósseis), lutamos por atrair jovens para a consciência de seus direitos e pela presença de minorias nos espaços de poder para garantir que sejam devidamente protegidas e indenizadas por desastres ambientais que vivenciem.

Uma construção que vem de baixo para trazer a juventude à frente do debate é o que a ISEC acredita e promove com seus projetos. E é com essa mentalidade que chegamos ao Brasil, um dos países mais desiguais, com maiores emissões e com as reservas naturais mais caras para a humanidade manter.

O desenvolvimento será verde ou não será nada, literalmente

“No começo pensei que estivesse lutando para salvar as seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade — Chico Mendes, ambientalista.

A ISEC entende que a luta da juventude é, mais do que pela sua sobrevivência, pelo desenvolvimento sustentável de um dos países que ocupa o top 10 de PIBs (que mede a economia do país) e o bottom 8 do Índice de Gini (que mede a desigualdade nos países). E esse desenvolvimento depende da geração de renda verde para as populações vulneráveis, em especial os jovens.

Um discurso muito utilizado por madeireiros e garimpeiros ilegais, além de caçadores, pequenos e grandes produtores de agropecuária e, claro, o presidente da República, é que “a floresta de pé é um entrave econômico” e que ambientalistas se preocupam somente com plantas, não com pessoas.

Nisso se somam afirmativas vazias, vagas, erradas e/ou mentirosas em defesa do desmatamento para agropecuária e produção de madeira, da exploração mineral irrestrita, da aculturação indígena e quilombola, para servir de cortina de fumaça para se “passar a boiada”, no popular jargão do ex-ministro Salles.

Ou seja, são projetos com baixo retorno socioeconômico local, alto dano ambiental, concentradores de renda e que, no longo prazo, são maléficos para o próprio mercado que sustentam. Grandes empresários conseguem sobreviver à falência de cadeias de produção, seus empregados e pequenos produtores, nem sempre.

A crise, quando climática, afeta em primeiro os mais vulneráveis. Como diz a escritora e ex-presidenta da Irlanda, Mary Robinson, “Se há um problema causado pela mudança climática, ele é, em grande parte, um problema de justiça”.

Quem vive em uma favela à beira de um rio, córrego ou do mar, sentirá primeiro o avanço das águas. Quem vive com menos de um salário mínimo sente primeiro o aumento dos preços de alimentos, água e luz por conta de secas mais frequentes. Mulheres dependentes do salário de companheiros e/ou parentes abusivos podem ficar mais dependentes ainda pela escassez. E, claro, jovens ficarão mais tempo desempregados ou em subempregos pelas crises em cadeia que virão caso o mercado não mude.

Quando falamos de justiça climática, nos referimos a uma economia que permite a inserção da sociedade nela, ao contrário de quem defende a economia apenas para o 1% da sociedade. São medidas de educação, formação e composição de novos empregos para pessoas vulneráveis que devem ser indenizadas por quem destruiu o planeta antes mesmo que elas tivessem a oportunidade de se desenvolver economicamente.

A ISEC no Brasil

“Pessoas estão morrendo, muitas outras perderam seu meio de vida. Isso não acontece apenas no continente africano. Seis milhões de bengalis tiveram que deixar suas casas devido às mudanças climáticas. Quem vai pagar por tudo isso? Quem vai pagar pelas pessoas que morrem, que fogem das ilhas do Caribe, do Pacífico? Por quanto tempo ainda será assim? É hora de medir os custos e é hora do poluidor pagar.” — Vanessa Nakate, ativista climática.

A pouco mais de um mês no Brasil, a ISEC ainda está compondo seus diretórios e planejando seus projetos. Ações que visam a propagação da educação ambiental, a aliança com movimentos jovens (como a União Nacional dos Estudantes, Engajamundo, Fridays For Future, Clima de Mudança e outros), campanhas e projetos para a proteção e restauração de bens socioambientais e, principalmente, o diálogo e a aliança com populações locais para problemas locais de desigualdade e destruição ambiental, são hoje os principais focos da Coalizão no Brasil.

O Brasil é um país, como dito anteriormente, marcado por suas desigualdades. E os jovens são os primeiros a sentir os impactos das crises que vivenciamos. Hoje são mais de 30% de jovens que nem estudam e nem trabalham no país e quase 30% estão desempregados (pode se dizer que cerca de 59% da nossa juventude está desempregada, portanto), muitos vivem casos de insegurança alimentar, baixa escolaridade, sexismo e racismo no mercado. Esse cenário tende a piorar se nada for feito.

A luta por uma nova forma de ver a economia, centrada no futuro, na superação de desafios estruturais, na promoção de causas socioambientalmente responsáveis e na inserção econômica de populações vulneráveis tornam-se ímpares nesse contexto.

Com práticas de educação ambiental, plantio de árvores, comunicação de causas e entraves para o desenvolvimento sustentável e o desenho de projetos de advocacy, a ISEC pretende atuar mais do que como um movimento, uma impulsionadora para a juventude ter voz nos espaços de poder.

Alinhados com o movimento global da Coalizão, promovemos conscientização e atuamos para que a sociedade se torne mais justa social, ambiental, econômica e, claro, climaticamente.

O futuro é ‘pra’ ontem

“Queriam nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes.” — Provérbio Mexicano

Como uma muda que nasce em solo rico em minerais se espalha, as juventudes renascem no século XXI como sementes de mudança. Infelizmente o tempo de prorrogar o futuro ficou no passado e os jovens hoje têm duas opções: ver seu futuro ruir ou fazer algo para mudar o caminho dele. E quanto às pessoas mais velhas, o destino pode parecer diferente, mas não é.

Ao contrário do que possa parecer, a barganha de vender o futuro da Terra por um lucro presente não se sustenta sequer em si mesma. Com o aquecimento global, mais do que as populações vulneráveis serem afetadas, todo o estilo de vida do planeta morrerá.

E a resposta para isso é a ação que deveria ter sido tomada ontem. O investimento massivo em novas alternativas para uma nova economia, que comporte a todas e todos. Os jovens não precisam de propostas de redução de desmatamento para 2030, net zero até 2050 e projetos que reduzam a degradação dos oceanos até 2100.

Os jovens precisam compreender o que é a cadeia produtiva na qual vivem e como construir um futuro melhor a partir dela. Florestas, a biodiversidade, povos indígenas e quilombolas precisam ser protegidos como o que são: patrimônios nacionais. Ícones da cultura, da riqueza e símbolos do Brasil. Nossos rios devem ser protegidos desde suas nascentes até suas fozes e espécies não podem mais ser extintas ou sacrificadas por divertimento ou comércio.

Destruir a natureza brasileira não é um ato que visa o lucro, é um ato que lesa a independência do país, seu protagonismo e sua segurança. A destruição do meio ambiente causa a insegurança alimentar, a migração em massa, destrói famílias e, para quem ainda não se convenceu, destrói a economia.

Proteger o nosso planeta, uma muda de cada vez, um futuro de cada vez, é o dever de jovens e anciãos em todo o mundo. Mas, como não podemos falar pelo mundo todo, a ISEC trabalhará por essa semente de futuro no Brasil. Para que tenhamos um futuro de país.

*O presente artigo foi escrito para como parte da coletânea de artigos sobre Sustentabilidade da revista Política Democrática de Nº 59 da Fundação Astrojildo Pereira no dia 29/10/2021. O contexto, portanto, era o de final da COP-26 e o texto, apesar de atemporal, referencia tal momento. A revista na íntegra pode ser adquirida por R$ 57,00 no site da Fundação: link.

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